terça-feira, 26 de junho de 2012

Da Fonte da Pipa à Arialva, passando pelo Olho de Boi (1/3)


Alguns Apontamentos do séc. XVIII


Uma visita pela zona ribeirinha de Almada, da Fonte da Pipa à Arialva, passando pelo Olho de Boi, apesar da sua degradação, é sempre um interessante regresso ao passado de um espaço industrial dos séculos XIX e XX, o qual é por muitos almadenses perfeitamente desconhecido, e mais desconhecida é contudo a sua origem, desde as origens remotas da Fonte da Pipa, fonte já mencionada na Crónica de D. João I no famoso episódio da resistência almadense na crise de 1383-85, à exploração do Forno do Tijolo na Arealva, referida em documentos do século XVI.
Este artigo, dividido em 3 partes, dedica contudo especial atenção ao século XVIII, período que parece ter sido decisivo no desenvolvimento desta zona do concelho, pois é neste período que se edifica a fonte monumental, os fortes depois reconvertidos em quintas e armazéns para comércio de vinho, e as casas nobres de Olho de Boi e Arialva.
Façamos pois uma visita à história e origem destes espaços.

As Obras da Fonte da Pipa


É no reinado de D. João V, que se fazem as principais obras na Fonte da Pipa, que incluíram os acessos à vila de Almada e a actual Fonte Monumental de 4 Bicas, encimada pelo Brasão Real. 
Existe aqui uma inscrição que diz:
«A obra desta fonte e seu caminho, se fez por ordem de sua magestade à custa do povo desta vila e seu termo, por tributo que se lhes impôs nos açougues da dita vila e seu termo de três reis em cada arratel de carne para pagamento da dita obra na era de 1736».

A data parece reportar à conclusão dos trabalhos, pois esta obra fora arrematada com outras pelo mestre pedreiro LUÍS DA SILVA em 1726, conforme se lê numa escritura a que tivemos acesso, e que aqui resumimos:
1726 (10 de Agosto)
Lisboa Ocidental (junto à Igreja de N.ª Sr.ª da Palma, nos escritórios do Tabelião)
Escritura de Instrumento de Sociedade e Obrigação estando, de uma parte, Luís da Silva, mestre pedreiro, morador na Rua Nova da Palmeira, freguesia de S. José, e da outra parte, José Antunes, mestre pedreiro, morador na Rua Direita de S. José, e Manuel Gonçalves, também mestre pedreiro, morador ao Tronco, freguesia de S. Julião, e outrossim Francisco de Macedo, mestre carpinteiro, morador na Rua da Fé, a S. José, em que o dito Luís da Silva disse que ele tinha arrematado no tribunal da Mesa da Consciência e Ordens a obra de umas casas no Castelo de Santa Maria de Almada e cujas são para o Prior da dita Igreja e mais arrematou outra obra pela Câmara da vila de Almada e por ordem do Corregedor da Comarca da dita vila para se fazer na Fonte da Pipa da banda de Além, e que por este contrato se constituíam sócios em partes iguais nas ditas obras, fazendo trabalho nos seus ofícios, e outras condições nele descriminadas.
Esta Escritura de Sociedade encontra-se lançada nas Notas do Tabelião José Soares Ribeiro em 28 de Agosto de 1757, a pedido de António Antunes, provedor das Causas, e morador aos Cardais de S. José, que apresentou a escritura original para assim poder tirar os devidos treslados, visto que o Livro com a nota original se tinha consumido no incêndio do Grande Terramoto de 1 de Novembro de 1755, por estar no Escritório do Tabelião no Largo da Igreja de São Nicolau.
(DGARQ-ADL, Notariais de Lisboa, Of.º 9-B (antigo 12-B), Cx. 3, L. 2, ff. 77v-78v)

Foi este Luís da Silva, mestre pedreiro, que conduziu a obra da Fonte da Pipa, como seu empreiteiro, entre 1726 e 1736, e é aliás assim que é nomeado como «empreiteiro da obra da Fonte da Pipa e do seu caminho» numa Carta de D. João V de 13 de Julho de 1729, ao Juiz de fora de Almada, vereadores e Procurador da Câmara em que autorizava o levantamento de 300 000 réis dos direitos que lhe pagavam pelos bens de raiz e pelas sisas, para as obras da Ermida de S. Sebastião, também na vila de Almada, e em que aconselha que se arrematasse a obra ao dito Luís Silva, o qual depois em 15 de Julho de 1729, foi também testemunha da vistoria do estado da dita Ermida, conforme se lê no respectivo Auto:
«E Considerando que por se hauer de conhecer o Reparo de que a dita Irmida necessitava era conveniente e precizo ser vista pellos Mestres / fl. 2v. / Pedreyros e Carpenteyros que houvecem na dita villa pera declararem a necessidade e qualidade da obra pera asim se poder Rematar com clareza e se proceder nesta execussão da Provisão com Verdade, pondo-ce novamente em pregão e Rematando-se a obra se achace ser necessaria pera Conservassão da dita Irmida.
Com effeyto mandarão chamar os ditos Mestres que sendo prezentes Manoel Ferreira, João Baptista, Miguel Pinto, Jozeph Rodriguez Milhano, Mestres pedreyros desta dita Villa, e outrosim Luis da Silua Mestre pedreyro da obra da Fonte da Pipa, e Manoel Antunes, Medidor do Senado da Camara da Cidade de Lixboa E outrosim sendo testemunhas prezentes Francisco Lopes, Antonio Rodriguez, Antonio Francisco e outro Antonio Francisco do Pragal, Mestres Carpinteyros»
(Arquivo Histórico Municipal de Almada, Livro da Obra da Ermida de São Sebastião, 1729, ff. 2-3v – cit. Maria José Lopes, et al, in Entre Memória e Criação. A Reabilitação da Ermida de São Sebastião em Almada, 2010, pp. 32, 68)

A construção da Fonte monumental e dos acessos à mesma, vinha melhorar significativamente o seu aproveitamento por parte dos habitantes da vila, e potenciar o desenvolvimento das zonas ribeirinhas envolventes, sendo a partir desta altura que se estabelecem quer na Arialva, quer no Olho de Boi, novas edificações e armazéns aproveitando certamente alguns dos antigos fortes e áreas circundantes.


Continua em:
Da Fonte da Pipa à Arialva, passando pelo Olho de Boi (2/3)


RUI M. MENDES
Caparica, 25 de Junho de 2012

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